sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Eu quero uma casa no campoOnde eu possa compor muitos rocks ruraisE tenha somente a certezaDos amigos do peito e nada maisEu quero uma casa no campoOnde eu possa ficar no tamanho da pazE tenha somente a certezaDos limites do corpo e nada maisEu quero carneiros e cabras pastando solenesNo meu jardimEu quero o silêncio das línguas cansadasEu quero a esperança de óculosMeu filho de cuca legalEu quero plantar e colher com a mãoA pimenta e o salEu quero uma casa no campoDo tamanho ideal, pau-a-pique e sapéOnde eu possa plantar meus amigosMeus discos e livrosE nada mais

sábado, 1 de novembro de 2008


Síntese das Antíteses


Só temos consciência do belo,
Quando conhecemos o feio.
Só temos consciência do bom,
Quando conhecemos o mau.
Porquanto, o Ser e o Existir,
Se engendram mutuamente.
O fácil e o difícil se completam.
O grande e o pequeno são complementares.
O alto e o baixo formam o todo.
O som e o silêncio formam a harmonia.
O passado e o futuro geram o tempo.
Eis porque o sábio age
Pelo não agir,
E ensina sem falar.
Aceita tudo que lhe acontece.
Produz tudo e não fica com nada.
O sábio tudo realiza e nada considera seu.
Tudo faz e não se apega à sua obra.
Não se prende aos frutos da sua atividade.
Termina sua obra,
E está sempre no princípio.
E por isso a sua obra prospera


Lao Tsé

"A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos.
Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos.
Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei.
Para que serve a utopia?
Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar"।

Eduardo Galeano

Todo dia..mato um leão todo dia


Todo dia mato sim, um leão. E não é o leão do imposto de renda. Ah..quem dera...E quisera eu velejar na bonança.

Mato um leão porque me encontro com as dificuldades e limitações da minha condição humana.

E com a limitação dos outros humanos que cruzam meu caminho. Assim, mato dois ou três incluindo o leão da minha intolerância, que acha que todos têm cumprir meus padrões de exigência que não são lá muito baixos.

Mato o leão e o revivo depois que me livro dele. Saio por ai catando outro. Poderia dizer chega! Pra mim basta! Dizer que não quero mais. Mas parece que estou sempre dando uma nova chance ao desafio. Acreditando que ele e só ele me lapida, me aperfeiçoa me faz puxar âncoras e partir para além deste mim mesmo conformado. Porque sem o Leão do desafio tudo pode correr o risco de se tornar sem sentido. Apenas a repetição do esperado. Fechar os olhos ao final do dia ,olhar a cara dos meus compartes cotidianos e pensar :eu já sabia.

Parece incongruente desejar o desafio que na verdade é proposição constante de conflito, é solicitação de movimento e almejar a paz, a calmaria. Mas é porque somente quando se está a caminho da reorganização na busca de um novo prumo ,de um novo rumo que um espírito criador encontra a paz.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Ser a Arte

É importante pensar a Arte.

É importante?

Onde está esta coisa em nossa vida?

Afinal qual a implicação deste exercício em nosso cotidiano.

Arte um exercício? Exercício nos remete ao corpo atuante. Mas como pensarmos a arte como algo assim da ordem do físico, algo a ser exercitado? Exercitar. Exército.. Guerra, combate!Sim é algo assim que ocorre. Como o combate entre o visível e o invisível.

O plausível e o inconcebível.

É a diferença entre o estar viva e o vegetar.

Este passo que se dá em direção à concretização de idéias, de sensações, sentimentos.

Idéias que viram poesias, que depois talvez virem músicas.

Emoções que viram misturas de cores e formas ou que emergem da pedra, da argila e de fugazes se transmutam em bronze eterno. 

Sensações, idéias, memórias, sentimentos que se entrelaçam em textos, roteiros, cenas, falas e dão origem a um espetáculo teatral, a uma seqüência cinematográfica.

Narrando a vida, imaginando, criando e reinventando possibilidades. 

Mas, então Arte é só isso? Esta coisa que faz parte, no senso comum, de um mundo de privilegiados. De pessoas estranhas que se dedicam a coisas que, no fundo no fundo, são supérfluas, sem sentido, sem servidão??

 Porque, pra quê, serve a arte afinal??  É importante esta  tal de arte? Faz sentido exercitar esta coisa em nossa vida? Exercitar!!Pelejar! É guerra?

È! A guerra infindável entre o feijão e o sonho.

Entre o viver e o vegetar

 Entre a necessidade e o desejo.

Entre.. voltando: o viver e o vegetar..

Circunavego o tema que me circunavega e me divide cotidianamente e a todos nós que não podemos simplesmente imergir de maneira definitiva neste espaço narcísico, delirante de uma infindável atividade criativa. Porém reabro a questão será a arte algo distante,algo destinado a alguns seletos escolhidos.seres superiores acima do cotidiano infecto da sobrevivência?? Ou não seria ela, ou ao menos sua essência, que é o principio da transformação e recriação, da imaginação pró-ativa, buscadora de novas possibilidades, não seria o motor que nos faz sobreviventes a cada despertar?

Porque criar nem sempre resulta em grandes obras, grandes inventos. Pode ser uma solução tola, pequenina. Um novo olhar sobre uma possibilidade desconhecida ou ao menos antes invisível aos nossos olhos velados de medo diante do novo.

Talvez seja isto o que nos falta em nossa cotianeidade, a negação do impulso de desistência  diante das exigências. A possibilidade de fazer de cada segundo um segundo de criação, de abertura de novas vertentes, de novas variáveis. Abrindo vias marginais de fuga à repetição soterrante.  Combater o bom combate, aniquilar a degradação da alma ofertando a si mesmo o novo. Criar pontes para si mesmo.Para a diferença encarnada que cada um de nós é.

Cinthya Bretas, madrugada de  10/10/2008

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

DO MODELO AO ARQUÉTIPO!

Não passa de um presunçoso o artista que fica no meio do caminho. Os que têm vocação autêntica são aqueles que se aproximam do solo secreto em que a lei primordial alimenta os seus desenvolvimentos.

Qual o artista que não gostaria de morar onde o órgão central de toda mobilidade espaço-temporal - chame-se coração ou cérebro da criação - ativa todas as funções? No colo da natureza, na fonte da criação, onde a chave secreta para todas as coisas é guardada?

Mas nem todos devem ir para esse lugar! Cada um deve se mover no rumo indicado pelas batidas de seu coração.

Na sua época, nossos antípodas de ontem, os impressionistas, tinham todo o direito de morar ao nível do solo, em meio às primeiras raízes e brotos dos fenômenos cotidianos. Entretanto, nosso coração palpitante nos impulsiona mais para baixo, para o fundo, para a origem.

O que surge desse impulso pode ser chamado como quiserem, sonho, idéia ou fantasia, mas só pode ser considerado seriamente quando se liga aos meios plásticos próprios para lhe darem forma.

Então aquelas curiosidades se tornam realidades, realidades da arte, que levam a vida para além do que ela aparenta ser por uma perspectiva mediana.

Porque as obras de arte não só reproduzem com vivacidade o que é visto, mas também tornam visível o que é vislumbrado em segredo. 


Paul Klee  In Sobre a Arte Moderna e Outros Ensaios 


"Toda a obra de arte é filha do seu tempo e, muitas vezes, a mãe dos nossos sentimentos. 
Cada época de uma civilização cria uma arte que lhe é própria e que jamais se verá renascer. Tentar ressuscitar os princípios da arte dos séculos passados só pode conduzir à produção de obras abortadas." 


Wassily Kandisnky
  München, 1910 


sexta-feira, 26 de setembro de 2008


 


O clown é como a sombra

Tenho sob os olhos, entre outras muitas, uma definição do clown feita por meu conterrâneo Alfredo Panzini, no Diccionario Moderno:

"CLOWN - palavra inglesa (pronuncia-se cláun) que quer dizer rústico, rude, torpe, indicando depois quem com artificiosa torpeza faz o público rir.  É o nosso palhaço."

Mas também aqui existe a mesma miserável diferença do termo estrangeiro que enobrece a coisa.  O palhaço é mais de feira e praça, o clown, de circo e palco.  Um bom acrobata é um clown, isto é, quase um artista, e julgará imprópria e ofensiva a expressão palhaço.  Mas clown designa também o palhaço.  O próprio Carducci, defensor do vernáculo, nas prosas polêmicas de Confessioni e Bataglie, capítulo Ça ira, não desdenha a palavra.

Neste tempos de nacionalismo, que direi eu?  Bem, o clown encarna os traços da criatura fantástica, que exprime o lado irracional do homem, a parte do instinto, o rebelde a contestar a ordem superior que há em cada um de nós.

É uma caricatura do homem como animal e criança, como enganado e enganador.  É um espelho em que o homem se reflete de maneira grotesca, deformada, e vê a sua imagem torpe.  É a sombra.

O clown sempre existirá.  Pois está fora de cogitação indagar se a sombra morreu, se a sombra morre.

Para que ela morra, o sol tem de estar a pique sobre a cabeça.  A sombra desaparece e o homem, inteiramente iluminado, perde seus lados caricaturescos, grotescos, disformes.  Diante duma criatura tão realizada, o clown, entendido no aspeto disforme, perderia a razão de existir.  O clown, é evidente, não teria sumido, apenas seria assimilado.  Noutras palavras, o irracional, o infantil, o instintivo já não seriam vistos com o olhar deformador que os torna informes.

Por acaso São Francisco não definiu a si mesmo como jogral de Deus?

Lao Tsé afirmava:  "Quando produzas em pensamento, te ri dele."


O branco e o augusto

Quando digo o clown, penso no augusto.  Com efeito, as duas figuras são o clown branco e o augusto.  O primeiro é a elegância, a graça, a harmonia, a inteligência, a lucidez, que se propõem de forma moralista, como as situações ideais, únicas, as divindades indiscutíveis.  Eis que em seguida surge o aspeto negativo da questão.  Pois dessa forma o clown branco se converte em Mãe, Pai, Professor, Artista, o Belo, em suma, no que se deve fazer.

Então o augusto, que devia sucumbir ao encanto dessas perfeições, se não fossem ostentadas com tanto rigor, se rebela.  Vê as lantejoulas cintilantes, mas a vaidade com que são apresentadas as torna inalcançáveis.  O augusto, que é a criança que faz sujeira em cima, se revolta ante tanta perfeição, se embebeda, rola no chão e na alma, numa rebeldia perpétua.

Essa é a luta entre o orgulhoso culto da razão, onde o estético é proposto de forma despótica, e o instinto, a liberdade do instinto.

O clown branco e o augusto são a professora e o menino, a mãe e o filho arteiro, e até se podia dizer que o anjo com a espada flamejante e o pecador.  São, em suma, duas atitudes psicológicas do homem, o impulso para cima e o impulso para baixo, divididos, separados.

O filme [I Clowns] termina com as duas figuras se encontrando e desaparecendo juntas.  Por que comove essa situação?  Porque as duas figuras encarnam um mito que está dentro de cada um de nós – a reconciliação dos opostos, a unidade do ser.

A dose de dor que existe na guerra contínua entre o clown branco e o augusto não se deve às músicas nem a nada parecido, mas ao fato de presenciarmos a algo que se liga à nossa própria incapacidade de conciliar as duas figuras.  Com efeito, quanto mais procures obrigar o augusto a tocar violino, mais dará soprinhos com o trombone.  O clown branco ainda pretenderá que o augusto seja elegante.  Mas quanto mais autoritária seja essa intenção, mais o outro se mostrará mal e desajeitado.

É o apólogo de uma educação que procura pôr a vida em termos ideais e abstratos.  Mas Lao Tsé dizia com acerto:  Quando produzas um pensamento (= clown branco), te ri dele (=clown augusto).

Outra versão do par

Neste ponto, também podia citar a famosa antítese popular chinesa entre ying e yang, o frio e o sol, a fêmea e o macho, todos os possíveis contrastes.  Podia-se falar de Hegel e da dialética, acrescentar que os augustos são, mais justamente, uma imagem subproletária do pátio dos milagres, com desnutridos, disformes, marginais, capazes talvez de revoltas, não de revoluções.  É provável que o povo sempre os tenha tratado com confiança por causa de sua condição miserável, sentindo-se familiar ao abismo.

Os Fratellini foram os que introduziram um terceiro personagem, o "contre-pitre", parecido ao augusto, mas que se aliava ao patrão.  Era o vigarista de rua, o espião, alcagüete da polícia, o liberado a se mover nas duas zonas, a meio caminho da autoridade e do delito.

Com exceção de François Fratellini, que fazia um aéreo clown branco, cheio de graça e amabilidade, incapaz de usar o tom acre da gozação para um mais fraco, todos os clowns brancos eram homens muito duros.  Diz-se que Antonet, um afamado clown branco, fora de cena nunca dirigiu a palavra a Beby, que era o seu augusto.  O personagem influenciava o homem e vice-versa.  Uma das regras do jogo é que o clown branco tem de ser malvado.  Ele dá bofetadas.

O augusto: - Tenho sede.

O clown branco: - Tem dinheiro?

O augusto: - Não.

O clown branco: - Então não tem sede.

Outra tendência do clown branco é explorar o augusto, não apenas como objeto de burla, mas como serviçal.  Neste ponto, é característico este início:  - Não tens que fazer nada, eu faço tudo.  – E o clown branco manda o augusto pegar as cadeiras, pondo-lhe a fela sob o traseiro.

O clown branco é um burguês, que de entrada procura surpreender com sua aparência de rico, poderoso, maravilhoso.  O rosto é branco, espectral, franze as sobrancelhas, a boca é assinalada por um só traço, duro, antipático, frio, desigual.  Os clowns brancos sempre competiram para ficar com o traje mais luxuoso na luta dos figurinos.  Célebre foi Theodore, que possuía uma roupa para cada dia do ano.

O augusto, pelo contrário, faz um tipo único que não muda nem pode mudar de roupa.  É o mendigo, o menino, o esfarrapado...

A família burguesa é uma junta de clowns brancos, em que a criança se vê relegada à condição de augusto.  A mãe diz:  Não faças isso, não faças aquilo...  Quando se convidam os vizinhos e se pede à criança que diga uma poesia – Mostra a esses senhores como... – é uma típica situação de circo.

 

chuvas






Chove. Que fiz eu da vida ?

 
 
Chove. Que fiz eu da vida?  
Fiz o que ela fez de mim...  
De pensada, mal vivida...  
Triste de quem é assim! 

Numa angústia sem remédio  
Tenho febre na alma, e, ao ser,  
Tenho saudade, entre o tédio,  
Só do que nunca quis ter... 

Quem eu pudera ter sido,  
Que é dele? Entre ódios pequenos  
De mim, estou de mim partido.  
Se ao menos chovesse menos!  
   
 

F.Pessoa, 23-10-1931