sábado, 28 de agosto de 2010

Não quero ser o último a comer-te.

Não quero ser o último a comer-te.

Se em tempo não ousei, agora é tarde.


Nem sopra a flama antiga nem beber-te


aplacaria sede que não arde 


em minha boca seca de querer-te,


de desejar-te tanto e sem alarde,

fome que não sofria padecer-te

assim pasto de tantos, e eu covarde


a esperar que limpasses toda a gala 


que por teu corpo e alma ainda resvala,


e chegasses, intacta, renascida,


para travar comigo a luta extrema


que fizesse de toda a nossa vida


um chamejante, universal poema


Carlos Drummond de Andrade

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